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Em ‘Ainda Estou Aqui’, de Walter Salles, estrela Fernanda Torres aprende a mascarar a dor

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Quando o diretor Walter Salles pediu à atriz brasileira Fernanda Torres que lesse o roteiro de “Ainda Estou Aqui”, ela presumiu que sua velha amiga só queria uma segunda opinião. Em 1999, a mãe de Torres, a lendária estrela Fernanda Montenegro, recebeu uma indicação ao Oscar pelo aclamado “Estação Central”, de Salles, e embora Torres já tivesse aparecido no filme do diretor de 1995, “Terra Estrangeira”, mais recentemente ele ficou conhecido por sendo uma estrela de comédia talentosa. “Achei que Walter estava perdido”, diz Torres, que ficou compreensivelmente exultante quando Salles a escalou para o papel principal de Eunice Paiva, mãe de cinco filhos cujo marido, Rubens, é sequestrado e assassinado no auge da ditadura militar no Brasil. Eunice deixa de lado sua dor para criar seus filhos, e Torres apresenta uma performance comovente que consiste em partes iguais de emoções reprimidas e determinação inabalável. “Que ele pensou em mim para um drama profundo foi algo muito importante para mim.”

“Ainda Estou Aqui” é uma história verídica, baseada em livro do filho de Eunice e Rubens, Marcelo. O que aconteceu com seu pai foi conhecido no Brasil?

Conhecíamos as manchetes; Soubemos que a polícia o levou embora e o corpo nunca foi encontrado. Mas ninguém sabia dos detalhes. E Eunice era uma personagem totalmente secundária. Não sabíamos que Eunice era uma mulher tão poderosa. Imagine se seu marido fosse torturado, assassinado, cortado em pedaços ou jogado no oceano. Mas, ao mesmo tempo, ela não tinha permissão para sentar, chorar e sentir pena de si mesma. Ela tinha filhos e decidiu não contar a eles o que aconteceu. Como você pode dizer isso para uma criança? Ele queria salvar a sua inocência, a sua fé na humanidade.

Eunice era uma dona de casa elegante que se tornou uma proeminente advogada e ativista dos direitos humanos. O que sua pesquisa lhe disse sobre ela?

Suas entrevistas foram incríveis porque ela sempre foi educada e gentil. Ela sempre sorria e, ao mesmo tempo, era muito inteligente, racional, persuasiva, muito feminina mas poderosa. E essa mistura de feminilidade, de delicadeza e força, era algo que eu estava experimentando. Sou muito menos elegante que ela e lembro-me do Walter me dizer: “Não se esqueça do sorriso”. Foi algo fundamental para ela.

Normalmente, como atriz, você quer mostrar o quão bem você consegue chorar, gritar ou ser engraçado. Mas esse personagem não gosta de se exibir. Ele esconde o que sente. E foi maravilhoso descobrir o poder da moderação.

—Fernanda Torres

Quando eu era criança, seus pais dirigiam uma companhia de teatro. Você tem lembranças de como o regime autoritário o afetou?
Lembro-me do medo da censura. Antes das estreias, tiveram que dar um show para a ditadura, que poderia simplesmente proibir a obra. Uma das obras do meu pai era um musical, uma grande produção que foi proibida no dia da estreia. Lembro-me do rosto do meu pai. Muito tenso. Você podia sentir o medo. O que me lembro da ditadura é ter crescido num país fechado. Não nos comunicamos com o resto do mundo. Depois, quando acabou a ditadura, falimos e começou a crise económica nos anos 80.

Como surgiram os artistas daquela época?

A arte estava muito viva. Caetano Veloso e Gilberto Gil voltaram do exílio e propuseram outro tipo de luta, diferente da guerrilha de pegar em armas e lutar entre os mais jovens. Eles descobriram a Jamaica e Bob Marley e voltaram dizendo: “Dance, dance, dance”. Esse foi o tipo de luta da minha geração.

Você disse que um papel como o de Eunice foi a primeira vez para você. Como é isso?

Normalmente, como atriz, você quer mostrar o quão bem você consegue chorar, gritar ou ser engraçado. Mas esse personagem não gosta de se exibir. Ele esconde o que sente. E foi maravilhoso descobrir o poder da moderação. Nunca fiz uma tragédia grega. Então, suportar algo impossível de enfrentar, seguir em frente, sorrir, lutar, não quebrar, criou dentro de mim um fogo tão poderoso, algo que eu nunca havia experimentado antes.

Fernanda Torres do filme “Ainda Estou Aqui”, em Los Angeles.

(Annie Noelker/para Os tempos)

Qual foi a reação quando o filme foi aplaudido por 10 minutos no Festival de Cinema de Veneza?

O Brasil é um país muito isolado devido ao idioma. Somos 200 milhões de pessoas que falam português, rodeadas de mar e de países de língua espanhola. De certa forma, consumimos nossa própria cultura. Estamos bem apenas com nós mesmos. Mas de vez em quando alguém faz algo que é compreendido internacionalmente. Isso cria um grande orgulho nacional. Walter fez isso com “Estação Central”. E novamente, com isso.

O que aconteceu quando estreou no Brasil?

Durante a pandemia, todos compraram televisores enormes e pararam de ir ao cinema. Mas este filme criou uma urgência para ver o que estava acontecendo. As pessoas corriam para os cinemas por volta das 14h de uma terça-feira. Eles descobriram que o filme não era apenas um boato, mas criou um sentimento profundo. Você sente empatia pela família. Você entende essa parte da história. E é sobre o Brasil. As pessoas vão ao cinema agora e no final as pessoas se levantam, aplaudem e falam sobre o filme nos lobbies. Virou febre e foi tão lindo.

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