Por Steve Grattan | Imprensa associada
BOGOTÁ, Colômbia – 2024 foi um ano brutal para a floresta amazónica, com incêndios florestais desenfreados e secas extremas devastando grandes áreas de um bioma que proporciona um contrapeso crucial às alterações climáticas.
O aquecimento do clima alimentou a seca, que por sua vez alimentou o pior ano de incêndios desde 2005. E esses incêndios contribuíram para a desflorestação, com as autoridades a suspeitar que alguns incêndios foram provocados para facilitar a limpeza de terras para a pecuária.
A Amazónia tem o dobro do tamanho da Índia e estende-se por oito países e um território, armazenando grandes quantidades de dióxido de carbono que, de outra forma, aqueceriam o planeta. Possui aproximadamente 20% da água doce do mundo e uma biodiversidade surpreendente, incluindo 16.000 espécies de árvores conhecidas. Mas os governos têm historicamente visto esta área como uma área a ser explorada, com pouca consideração pela sua sustentabilidade ou pelos direitos dos povos indígenas. Especialistas afirmam que a exploração por parte de indivíduos e do crime organizado está a aumentar a um ritmo alarmante.
“Os incêndios e a seca vividos na floresta amazónica em 2024 podem ser indicadores ameaçadores de que estamos a atingir o tão temido ponto de viragem ecológico”, disse Andrew Miller, diretor de defesa da Amazon Watch, uma organização dedicada a proteger a floresta tropical. “A janela de oportunidade da humanidade para inverter esta tendência está a diminuir, mas ainda está aberta.”
Houve alguns pontos positivos. O nível de perda florestal na Amazônia diminuiu tanto no Brasil quanto na Colômbia. E os países reuniram-se para a conferência anual da ONU sobre biodiversidade e concordaram em dar aos povos indígenas mais voz nas decisões de conservação.
“Se quisermos que a floresta amazônica evite o ponto crítico, os povos indígenas terão sido um fator determinante”, disse Miller.
Incêndios florestais e seca extrema
A perda florestal na Amazônia brasileira – que abriga a maior parte desta floresta tropical – caiu 30,6% em comparação com o ano anterior, o menor nível de destruição em nove anos. A melhoria sob o presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva contrastou com o desmatamento, que atingiu o máximo em 15 anos sob o antecessor de Lula, o líder de extrema direita Jair Bolsonaro, que priorizou a expansão da indústria agrícola em detrimento da proteção florestal e enfraqueceu as agências ambientais.
Em Julho, a Colômbia reportou um mínimo histórico de desflorestação até 2023, devido a um declínio na destruição ambiental. A ministra do Ambiente do país, Susana Muhamad, alertou que os números de 2024 podem não ser tão promissores, uma vez que um aumento significativo da desflorestação já tinha sido registado em Julho devido ao tempo seco causado pelo El Nino, um fenómeno climático que está a aquecer o centro do Oceano Pacífico. As economias ilegais continuam a impulsionar o desmatamento no país andino.
“É impossível ignorar a ameaça que o crime organizado e as economias que eles controlam representam para a preservação da Amazônia”, disse Bram Ebus, consultor do Crisis Group na América Latina. “A mineração ilegal de ouro está a expandir-se rapidamente, impulsionada pelo aumento dos preços do mercado global, e as receitas das economias ilegais excedem frequentemente os orçamentos estatais atribuídos para combatê-la.”
No Brasil, grandes áreas de floresta tropical ficaram envoltas em fumaça em agosto devido aos incêndios que assolaram a Amazônia, a savana do Cerrado, as áreas úmidas do Pantanal e o estado de São Paulo. Os incêndios têm sido tradicionalmente usados para a desflorestação e a gestão de pastagens, e estes incêndios causados pelo homem foram em grande parte responsáveis pelo desencadeamento dos incêndios florestais.
Pelo segundo ano, a Amazónia caiu para níveis desesperadores, levando alguns países a declarar estado de emergência e a distribuir alimentos e água aos residentes em dificuldades. A situação foi mais crítica no Brasil, onde um dos principais afluentes do Amazonas caiu para o nível mais baixo já registrado.
Cesar Ipenza, advogado ambiental que vive no coração da Amazônia peruana, disse acreditar que as pessoas estão cada vez mais conscientes do papel fundamental da Amazônia “para a sobrevivência da sociedade como um todo”. Mas, tal como Miller, ele preocupa-se com um “ponto sem retorno” da destruição da Amazon.
De acordo com a organização sem fins lucrativos Rainforest Foundation dos EUA, foi o pior ano de incêndios na Amazônia desde 2005. Entre janeiro e outubro, uma área maior que o estado de Iowa — 37,42 milhões de hectares, ou cerca de 15,1 milhões de hectares da Amazônia brasileira — queimou. A Bolívia sofreu um número recorde de incêndios nos primeiros dez meses do ano.
“Os incêndios florestais tornaram-se uma constante, principalmente nos meses de verão, e exigem atenção especial das autoridades, que não sabem como enfrentá-los nem como responder-lhes”, disse Ipenza.
Venezuela, Colômbia, Equador e Guiana também sofreram uma onda de incêndios este ano.
Vozes e direitos indígenas progrediram em 2024
A Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade – conhecida este ano como COP16 – foi organizada pela Colômbia. As reuniões colocaram a Amazónia no centro das atenções e foi alcançado um acordo histórico para dar aos grupos indígenas uma maior voz nas decisões de conservação, um desenvolvimento que se baseia num movimento crescente para reconhecer o papel dos povos indígenas na protecção da terra e no combate às alterações climáticas.
Tanto Ebus quanto Miller viram uma promessa na nomeação de Martin von Hildebrand como o novo Secretário Geral da Organização de Cooperação do Tratado Amazônico, anunciada na COP16.
“Como especialista em comunidades amazônicas, ele precisará alinhar os governos para esforços conjuntos de conservação. Se houver vontade política, os apoiantes internacionais darão um passo à frente para financiar novas estratégias para proteger a maior floresta tropical do mundo”, disse Ebus.
Ebus disse que os países amazônicos precisam trabalhar mais juntos, seja na aplicação da lei, no envio de equipes de emergência conjuntas para combater incêndios florestais ou na prestação de cuidados de saúde em áreas remotas da fronteira amazônica. Mas eles precisam da ajuda do resto do mundo, disse ele.
“O bem-estar da Amazónia é uma responsabilidade global partilhada, uma vez que a procura dos consumidores em todo o mundo impulsiona o comércio de mercadorias que financia a violência e a destruição ambiental”, disse ele.
O próximo ano marca um momento crucial para a região Amazônica, já que Belém do Pará, no norte do Brasil, sediará a primeira COP das Nações Unidas da região, que terá como foco o clima.
“Os líderes dos países amazônicos têm a oportunidade de demonstrar estratégias e exigir apoio tangível”, disse Ebus.
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