Por Mayra Islane Santana
“O Amor é terapia,
no mundo não há nenhum outro tratamento senão o Amor. É sempre o Amor que cura,
o Amor faz você inteiro.”
Anton "Suitbert" Hellinger,
popularmente conhecido como Bert
Hellinger, foi um filósofo alemão que revolucionou a área da psicologia para
trazer à lista de terapias alternativas a denominada “constelação familiar”, um
formato de terapia que atualmente faz parte das Práticas Integrativas e
Complementares em Saúde institucionalizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS)
como recurso terapêutico, juntamente com a acupuntura, a homeopatia e a terapia
de florais.
Segundo
o SUS, a prática busca "a prevenção de doenças e a recuperação da saúde com ênfase na escuta acolhedora", integrada ao modelo convencional.
A história de
Bert Hellinger conta que ele passou por duas guerras, sendo que na eclosão da
2ª Guerra Mundial, foi recrutado e capturado pelas tropas americanas,
permanecendo por um ano preso. Após retornar a Berlim, serviu em uma ordem
Missionária Católica que o enviou à África do Sul, conhecendo nesta missão uma
tribo que tratava seus pais com grande respeito e por isso quase não possuía
conflitos familiares. No contexto de guerra e opressão nazista pela qual
atravessou, passou a estudar os motivos pelos quais existiam tantos conflitos
na sociedade, e que para prevenir e curar certas feridas emocionais, os seres
humanos deviam se atentar para três regras básicas de convivência, às quais
chamou de Ordens do Amor: hierarquia, pertencimento e equilíbrio de dar e
receber.
Em apertada
síntese, segundo essa filosofia, cada família possui um sistema próprio, e
alguns comportamentos são repetidos ao longo de gerações, e algumas feridas são
carregadas por um membro que nem mesmo tem consciência dessa lesão, o que é
inconscientemente aceito por ele para prestar homenagem àquele que não foi
visto ou não foi aceito. Alguns padrões familiares podem ser bastante nocivos à
saúde familiar e para contorná-los é preciso identificar e tratar, o que se
propõe mediante atenção a estas leis universais.
Segundo a lei
da hierarquia, deve ser respeitado aquele que veio primeiro - os pais, por
exemplo, vêm antes do filho, então o filho não pode desejar comandar a vida dos
pais, já que eles têm precedência nessa relação. Assim, deve-se respeitar o que
veio antes, e sua posição de chegada, e entender que cada um possui uma vida
cheia de vivências, experiências, sofrimentos. Cada ser é dotado de
individualidade peculiar à criação que recebeu, ao ambiente social em que
conviveu, ao caráter e personalidade que formou, não sendo saudável para o que
chegou por último querer se posicionar no lugar daquele que chegou primeiro.
Assim também
todos que se unem à família de algum modo, qualquer que seja, tem o direito de
pertencer. Todos compõem o sistema familiar, e devem ser incluídos na percepção
de respeito e amor, até mesmo aqueles já falecidos, ou que nunca nasceram. A
partir do momento que surge um prenúncio de existência naquele sistema, ainda
que não esteja mais ali, ou que não seja aceito como um membro PERno núcleo
familiar, para o trabalho de cura acontecer, deve ser considerada sua
existência e respeitada sua posição, como forma de sanar quaisquer problemas
morais, psicológicos ou até de saúde que fatalmente são resultantes desta
rejeição. Segundo a visão sistêmica, a exclusão de um indivíduo cria diversos
problemas de ordem psicológica, sendo que estes danos podem ser trazidos ao
longo de gerações familiares, numa espécie de banco de dados do gene herdado
por aquela família, sucedendo-se e protraindo-se no tempo.
Como forma de
se consolidar a harmonia familiar, tudo o que se recebe deve ser dado em troca,
e vice-versa. Portanto, aquele que deu precisa receber, e o que recebeu deve
reconhecer o valor dessa entrega e reproduzir o mesmo comportamento adiante,
com gratidão. Assim, a prática de violência deve ser reconhecida como um
distúrbio no sistema, uma vez que não revela o Amor que se espera, cabendo
àquele que adquiriu consciência evitar transmitir o comportamento doentio, a
fim de se diminuir progressivamente a prática no sistema das futuras gerações.
Fala-se,
ainda, em uma quarta ordem, a do assentimento - que é aceitar a tudo o que vem,
com amor e respeito, entendendo que nada é por acaso, e que o fato ocorreu para
sua evolução, para seu aprendizado, e que tudo acontece como deveria ser, de
forma a gerar equilíbrio a fatos passados.
A prática é
bastante criticada por grupos religiosos, feministas e psicólogos, que não
aderiram ao movimento, sendo tratado por alguns como charlatanismo, religião,
terapia falaciosa sem embasamento científico. Movimentos feministas acham que a
prática agride a mulher vítima de violência doméstica, causando uma
revitimização e opressão, coagindo a mulher a aceitar tudo o que lhe ocorreu e
a perdoar o agressor, fazendo-a crer que é a culpada pelos comportamentos
abusivos que a acometeram.
Fato é que o
SUS incluiu a constelação sistêmica no rol de terapias alternativas, e o Poder
Judiciário já acatou como uma forma de solução de conflitos judiciais,
especialmente na seara do direito das famílias, assim como já são aceitas e
muito utilizadas as sessões de mediação, arbitragem, palestras e cursos de
reeducação social, psicológica e inteligência emocional. Atualmente, já é
previsto na Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) como forma de medida
protetiva à mulher vítima de violência doméstica, o encaminhamento do agressor
a programas de recuperação e reeducação, bem como o acompanhamento psicossocial
do agressor por meio de atendimento individual ou em grupo (art. 22, incisos VI
e VII).
Os impactos
que os conflitos causam a toda a sociedade é inegável. No Poder judiciário, no
sistema de saúde, nos Municípios que prestam atendimento social, reflexos
vistos inclusive no sistema penitenciário, abarrotam os equipamentos públicos
que prestam a assistência específica, mas não logram êxito em resolver o
conflito em seu ponto nuclear, haja vista a necessidade primordial que se tem
de educar as famílias em princípios e valores morais capazes de ressignificar
suas vidas dentro dos seios familiares, projetando-se nas futuras gerações.
Independentemente
de ser um ensinamento moral comumente visto em práticas religiosas, sobretudo
as tradicionais, ainda que crenças sejam diversas ou que não haja crença, o
princípio do Amor foi relatado por Jesus Cristo, pessoa que comprovadamente
viveu nesta Terra e passou diversos ensinamentos sábios, como o Primeiro
Mandamento: “Amar ao próximo como a ti
mesmo” (transcrito em Mateus, 22:37-39), não sendo ofensa falar que neste
Mandamento também se ensina a “amar a si próprio”.
Por sinal, “amar a si próprio” é uma fala
bastante usada em palestras de conscientização às mulheres vítimas de violência
doméstica, haja vista sua importância para o autoconhecimento e o
estabelecimento de limites da prática abusiva e tóxica pelo outro dentro de um
relacionamento, e até por si própria. É altamente relevante mostrar às pessoas
como a falta de amor-próprio, respeito, empatia e sensibilidade podem
certamente levar à destruição, mas uma vez percebido o problema, perpetuar a
raiva e o medo ocasionados pela dor também é um destrutivo social, que deve ser
tratado.
Portanto,
ainda que se queira discriminar a prática, à luz das estatísticas de conflitos
existentes, e considerada a associação do tema aos impactos na saúde como um
todo, facultar tal tratamento às pessoas que demandam por assistência é
democrático e salutar, entregando-se ao próprio indivíduo o alcance da solução,
e complementando-se as alternativas atualmente existentes.
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